Ao mesmo tempo, avaliou sistema financeiro nacional como “resiliente” a cenários de estresse macroeconômico
O Banco Central reconheceu uma desaceleração da oferta de crédito no Brasil, mas disse ser um movimento “compatível” com a política monetária apertada, ao mesmo tempo que avaliou o sistema financeiro nacional como “resiliente” a cenários de estresse macroeconômico.
Na ata da última reunião do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), de 23 e 24 de maio, publicada nesta quarta-feira (31), o BC disse que “o crescimento do crédito amplo continuou desacelerando nas diferentes modalidades… compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária”.
A taxa Selic está atualmente em 13,75% ao ano, nível elevado que tende a restringir a atividade econômica e a oferta de crédito ao encarecer o custo de tomar empréstimos. O BC considera esse patamar de juros adequado para conter a alta dos preços e ancorar as expectativas de inflação.
Dados da véspera confirmaram uma tendência de desaceleração ao mostrarem que as concessões de empréstimos no Brasil recuaram 17,5% em abril na comparação com o mês anterior, com o estoque total de crédito caindo 0,1% no período, a R$ 5,363 trilhões.
Ainda assim, o BC disse na ata do Comef que “os preços dos ativos e o crescimento do crédito não representam preocupação no médio prazo, embora existam incertezas a serem acompanhadas”.
Segundo o documento, o sistema financeiro nacional “tem mantido capital e ativos líquidos suficientes para absorver potenciais perdas em cenários estressados e cumprir a regulamentação vigente”, mostrando resiliência nos resultados de testes de estresse.
“O impacto mais severo continua sendo o observado no cenário de quebra de confiança no regime fiscal, (mas) teste de análise de sensibilidade verificou que mesmo que os ativos problemáticos dobrassem em relação a seus níveis atuais, o sistema não apresentaria desenquadramentos relevantes”, disse o BC.
A autarquia alertou que o cenário global prospectivo é adverso e apresenta “riscos que podem levar à materialização de cenários extremos de reprecificação de ativos financeiros globais”, citando o colapso de bancos norte-americanos e alertando que, nos Estados Unidos, algumas instituições financeiras ainda enfrentam desafios na captação de depósitos e no gerenciamento de liquidez.
De qualquer forma, “os recentes eventos de resolução bancária observados nas economias avançadas não tiveram impacto relevante sobre o sistema financeiro brasileiro”, disse o BC na ata do Comef.
“O Comitê está atento à evolução dos cenários doméstico e internacional e segue preparado para atuar, de forma a minimizar eventual contaminação desproporcional sobre os preços dos ativos locais.”
Sistema financeiro global teve momentos de estresse relevante desde reunião anterior
O BC também chamou a atenção para a movimentação atípica do mercado financeiro global desde a reunião de março.
“Após a última reunião do Comef, o sistema financeiro internacional experimentou momentos de estresse relevante”, trouxe a ata divulgada há pouco.
O Comef salientou que a resolução de três bancos de porte médio nos Estados Unidos e questionamentos sobre a saúde financeira de um banco globalmente sistêmico na Suíça, que culminou na compra por outra instituição de grande porte, trouxeram preocupações sobre a estabilidade financeira nos países avançados.
A consequência foi o aumento da aversão global ao risco e impactos sobre os preços de diversos ativos financeiros.
Nos Estados Unidos, ressaltou o BC, algumas instituições financeiras ainda enfrentam desafios na captação de depósitos e no gerenciamento de liquidez.
“Desde o início do estresse até o momento, observa-se saída líquida de depósitos dos bancos americanos, especialmente os de médio porte, parcialmente direcionados para fundos de investimento (money market funds)”, frisou.
As incertezas sobre os desdobramentos futuros do estresse bancário, inclusive sobre concessões de crédito, são elevadas, segundo o BC. “Desde março, observa-se acentuada desaceleração no crescimento do crédito e, em alguns segmentos, como empréstimos a empresas (commercial and investment loans), há contração dos saldos na margem.”
A ata também analisou que a exposição do segmento de bancos médios ao setor imobiliário comercial, que continua sendo afetado pelos elevados níveis de vacância de escritórios desde a crise da Covid-19, e a importância do segmento para o crédito imobiliário em geral, são pontos de atenção.
As autoridades internacionais, segundo o BC, têm atuado para restaurar a confiança nos sistemas financeiros e evitar o contágio para outras instituições e outras jurisdições.
O Comef citou que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) tem provido suporte aos bancos mais afetados, por meio de linhas de liquidez, enquanto os reguladores americanos vêm apresentando propostas de medidas para endereçar as vulnerabilidades no sistema financeiro.
Apetite a risco por crédito para PJ e PF tem se reduzido; ambiente ainda demanda atenção
O Banco Central avaliou que o apetite ao risco das instituições financeiras na concessão de crédito às famílias e às empresas no Brasil tem se reduzido, mas o ambiente ainda demanda atenção.
No documento do Comef anterior, referente à reunião de março, a autoridade monetária havia feito a primeira avaliação sobre os impactos da crise dos bancos nos Estados Unidos para o sistema financeiro nacional e da turbulência gerada pela Americanas na área de crédito.
Em relação ao crédito para as famílias, o BC identificou que há uma desaceleração no ritmo de crescimento nas modalidades mais arriscadas, como cartão de crédito e crédito não-consignado.
“Na margem, observa-se maior conservadorismo nos critérios das novas concessões”, trouxe a ata. O Comef ressaltou que o comprometimento de renda e o endividamento permanecem em níveis historicamente elevados e a materialização de risco supera a do período da pandemia.
Com relação às empresas, houve desaceleração no ritmo de crescimento do crédito, mas o comitê salientou que não se percebe alteração relevante nos critérios de concessão.
“O Comef avalia que é importante os intermediários financeiros continuarem preservando a qualidade das concessões, levando em conta, notadamente, a exposição total dos seus clientes junto ao SFN”, trouxe a ata, citando o Sistema Financeiro Nacional.
O BC comentou também que persiste a aversão ao risco no mercado de títulos de dívida corporativa no país. “Eventos ocorridos no início do ano, aliados a condições financeiras mais restritivas, afetaram todo o mercado, e seus efeitos ainda não se dissiparam”, destacou o documento.
O volume de emissões e os prazos se reduziram, conforme a ata, e os spreads aumentaram. “O Comef segue acompanhando a evolução do mercado de crédito privado e está pronto para atuar em caso de disfuncionalidade.”
Na semana passada, o Comef manteve o Adicional Contracíclico de Capital Principal relativo ao Brasil (ACCPBrasil) em zero. O ACCPBrasil é uma parcela do capital a ser acumulada na expansão do ciclo de crédito e consumida em sua contração. O instrumento trata o risco sistêmico cíclico do crédito e dos preços dos ativos.
Fonte: CNN