Ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles vê a inclusão do PIX na lista de pontos que serão investigados pelo governo dos Estados Unidos como uma resposta à eficiência do mecanismo de pagamento brasileiro.
Em entrevista à BBC News Brasil, ele classifica o sistema como “rápido e eficiente” e “melhor do que todo o sistema de pagamento” americano.
Na terça-feira (15/07), o Executivo do presidente Donald Trump anunciou a abertura de uma investigação comercial contra o Brasil, após o anúncio da imposição de uma tarifa de 50% sobre qualquer produto brasileiro exportado aos EUA.
Entre as acusações feitas, que deverão ser apuradas ao longo do processo, estão eventuais irregularidades na adoção do PIX, desenvolvido pelo Banco Central durante o governo de Michel Temer (MDB) e lançado em novembro de 2020.
Mas segundo Meirelles, que serviu como presidente do Banco Central de 2003 a 2011 (primeiro e segundo governos Lula), a competição oferecida pela ferramenta brasileira para empresas como Google, Apple e Meta está no centro da motivação de Donald Trump para incluí-la em sua lista de alvos.
“O PIX é mais eficiente, não há dúvidas”, diz o ex-ministro e ex-secretário da Fazenda de São Paulo. “Trump fala que isso está prejudicando o sistema de pagamento das empresas americanas, que são basicamente oferecidos pelas Big Techs.”
Ainda segundo Henrique Meirelles, as alegações feitas pelos Estados Unidos de que o Brasil age de maneira desleal ao beneficiar alguns países, como México e Índia, com tarifas mais baixas, enquanto prejudica os Estados Unidos, não fazem sentido.
“O Brasil faz taxações generalizadas para proteger determinados mercados, mas eu não vejo benefício específico para alguns países.”
Durante a conversa com a BBC News Brasil, o ex-ministro da Fazenda do governo Temer também defendeu que o governo brasileiro negocie a revisão da tarifa de 50% anunciada por Donald Trump – e, se for preciso, abra mão de algumas das taxas que tem em vigor atualmente contra os EUA.
“[Donald Trump] é um negociador que toma riscos fortes, mesmo na vida pessoal. (…) Eu acho que ele inclusive gosta de negociar – e aí tem que negociar sim. Mas o governo tem que estar disposto a ceder algumas tarifas que o Brasil aplica hoje”, afirma.
Por outro lado, Meirelles diz que os pontos levantados pelo governo americano sobre o processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à responsabilização das empresas de mídia social por publicações ilegais de seus usuários são “inegociáveis”.
“Decisões judiciais não são negociáveis. O governo brasileiro não vai negociar em nome do Supremo, não faz sentido isso.”
Mas o ex-ministro também não descarta totalmente o caminho da retaliação com a elevação de algumas tarifas brasileiras, caso as negociações não cheguem a uma conclusão.
“Mas isso precisa ser analisado com cuidado”, recomenda. “Pode ser em um ou outro caso, mas não uma coisa generalizada.”
Meirelles ainda defende a proteção da economia brasileira por meio da busca por novos mercados, em especial a ampliação dos laços econômicos com a China.
“O Brasil não tem nenhum confronto com a China, né? Certamente, a questão com o governo do Trump é evidente e ele próprio deixa muito claro, né? Mas de resto não há grandes problemas de relacionamento”, diz.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil – Como o senhor avalia o anúncio dessas tarifas? Quais acredita que são as motivações do governo Donald Trump nesse momento?
Henrique Meirelles – Não há dúvida de que é um assunto muito polêmico e que vai ter algum efeito na economia brasileira, na medida em que as exportações para os Estados Unidos tendem a diminuir. Por outro lado, o efeito é menos importante do que para alguns outros países. Existe uma companhia que será direta e fortemente afetada que é a fábrica de aviões exportados para os Estados Unidos. Mas o restante das exportações são muito concentradas em commodities em geral, que é algo que pode se vender para qualquer outro país, particularmente para os países asiáticos que estão crescendo muito.
Em termos de motivação do governo Trump, elas ficam claras na carta dele. Ele acredita que decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a divulgação de determinadas postagens na mídia social prejudicam as empresas americanas, e que o Brasil está, entre aspas, perseguindo as empresas americanas de comunicação.
Evidentemente que isso não faz sentido, na medida em que o tribunal toma decisões, baseado nas suas interpretações da lei brasileira e é um órgão independente, que não faz parte do Executivo.
BBC News Brasil – O senhor diria, então, que as motivações são muito mais políticas ou de interesses pessoais do que econômicas?
Meirelles – Divide um pouco. Ele tem a motivação política, não há dúvida, que ele deixa clara na carta. Por outro lado, ele acha que as empresas de mídia social americanas no Brasil estão sendo prejudicadas. Isso é uma motivação econômica.
BBC News Brasil – Para além das justificativas apresentadas pelo presidente Donald Trump e seu governo, o senhor vê alguma relação entre o protagonismo do Brasil nos Brics e as tarifas?
Meirelles – Não vejo como o grande motivador, mas existe sim alguma influência. O [presidente] Donald Trump está certamente irritado com a posição dos Brics, que ele vê como uma posição contrária aos Estados Unidos e a ele. Mas somente isso não justificaria uma tarifa de 50%, porque ele não aplicou [essa mesma taxa] a outros membros do Brics.
BBC News Brasil – O senhor tem interlocutores fora dos EUA e do Brasil com quem conversou nos últimos dias sobre essas tarifas? Como eles estão vendo a taxação?
Meirelles – Em geral, a política de tarifas é vista negativamente pelos analistas do mundo todo, porque evidentemente tende a prejudicar a economia global. Não está prejudicando necessariamente ainda. O FMI fez uma projeção de que a economia global, que estava projetada para crescer 3,3%, vai expandir apenas 2,8%, mas isso não está totalmente transparente e solidificado ainda. Quer dizer, é uma previsão, mas a economia continua resiliente e surpreendendo muitos analistas.
Fonte: G1